Certa vez em conversa com uma pessoa da família, sobre certos transtornos neurológicos e comportamentais conhecidos como TOC (transtorno obsessivo compulsivo), TDA (transtorno de déficit de atenção) e TEA (transtorno do espectro autista) eu falei em tom de brincadeira que me identificava muito com as características do autismo leve, o qual foi por muito tempo conhecido como síndrome de Asperger. No entanto atualmente essa nomenclatura foi descartada e até deixaram de considerar como “transtorno” sendo a definição mais atual SEA (síndrome do espectro autista).
Conversa vai, conversa vem sobre esse assunto (autismo leve), passei a ter um hiperfoco sobre ele pesquisando em sites e no You Tube. Nessa ocasião decidi fazer o teste de autismo leve com uma psicóloga, conhecido como protocolo AQ-10, e não foi surpresa sobre o resultado, no qual veio a confirmação do que eu já suspeitava, que tenho 90% de probabilidade de ter autismo leve. A psicóloga então me orientou no sentido de procurar um profissional especialista (neurologista ou neuropsicólogo), para um diagnóstico mais preciso.
Imediatamente marquei uma consulta com o neurologista que me presta assistência no tratamento de enxaqueca crônica, oportunidade em que procurei saber sobre o diagnóstico de autismo. No entanto ele me informou que não poderia me prestar assistência quanto a esse diagnóstico, pois não é especialista nesse ramo da neurologia. Ele também me tranquilizou sobre o fato de possivelmente eu ter autismo leve, informando que isso não é considerado uma doença, sendo apenas uma síndrome comportamental ou variação neurológica, pois nesse nível de autismo a cognição não é afetada, inclusive há autistas de nível 1 que são superdotados, com QI acima da média, citando como exemplo Albert Einstein, Bill Gates e Elon Musk. Ele também informou que tem colegas médicos, bem como dois amigos magistrados, que são autistas em nível 1 e excelentes nas suas profissões. Com esses esclarecimentos fiquei mais tranquila.
Em uma entrevista Bill Gates reconheceu que foi diagosticado certa vez como autista de nível leve, tendo características dessa síndrome como movimentos repetitivos (stimming) e dificuldade de interação social, comparando sua própria experiência com a de Elon Musk. No entanto ele não vê isso como um defeito, mas como uma qualidade que o ajudou no foco e paixão por seu trabalho, especialmente em softwares, embora ele também tenha aprendido a "moldar" o comportamento para não incomodar outras pessoas.
Então passei a pesquisar mais sobre autismo leve em adultos e descobri que o o autismo é mais comum do que eu imaginava, pois no Brasil 2,4 milhões de pessoas são diagnosticadas com espectro autista, o que representa 1,2 por cento da população.
Sobre o autismo leve, que é o foco deste artigo, ou autismo nível 1, na maioria das vezes é diagnosticado tardiamente, levando a pessoa a ter muitos prejuízos ao longo da vida, por ser considerada “esquisita” e por não se adequar de forma satisfatória com o que alguns consideram como comportamento normal. Na verdade o cérebro do autista funciona de forma diferente em certos aspectos da interação social e por isso muitos autistas de nível 1 sofrem bullyng na fase estudantil ou até mesmo no ambiente profissional.
Há ainda muita diversidade no espectro, que vai além dos níveis considerados como nível 1 (autismo leve), nível 2 ( autismo moderado) e nível 3 (autismo acentuado). No primeiro nível só é afetada a interação social e às vezes a comunicação interpessoal, tendo completa independêcia e capacidade cognitiva, necessitando de suporte apenas a nível de terapia com psicólogo ou neuropsicólogo. No nível 2 a comunicação é afetada no geral e de forma mais acentuada, necessitando de suporte de terapia com neuropsicólogo e fonoaudiólogo. Porém nesse nível a cognição ainda é preservada.
No nível 3 o suporte deve ser completo, pois há comprometimento cognitivo, necessitando de ajuda pessoal, além das terapias já mencionadas, pois nesse nível há dependência significativa. Em casos mais graves o autista de nível 3 tem a fala comprometida e não consegue se expressar verbalmente de forma satisfatória.
No autismo leve há ainda mais diversidade, dizem que há um tipo de autismo (leve) para cada autista do nível 1. Por isso o autismo é considerado como um “espectro”. Nesse nível de autismo, a pessoa é capacitada para exercer qualquer profissão e tem completa independência. No entanto a pessoa pode, ao longo da vida, ter sérios prejuízos pessoais, caso seja diagnosticada tardiamente, por se sentir inadequada, com a sensação de não pertencer ao grupo social no qual está inserida.
Ter o diagnóstico muitas vezes pode ser libertador, pois o autoconhecimento é uma ferramenta essencial para que a pessoa possa ter uma vida plena. Mesmo que tardiamente, buscar o diagnóstico é vital para que o autista possa, a partir disso, compreender suas limitações sociais e buscar ajuda profissional específica para esta síndrome, podendo resgatar sua auto estima e atenuar a ansiedade que o acomete, quando não tem a compreensão das outras pessoas sobre seu comportamento diferenciado da maioria.
Nas características do autismo leve em adultos são consideradas quatro situações: interações sociais, comunicação interpessoal, relacionamentos afetivos e por último, sinais comportamentais e sensoriais.
INTERAÇÕES SOCIAIS
Dificuldade em fazer e manter amizades
Evita conversas triviais
Dificuldade em entender regras sociais implícitas
Tendência a falar demais sobre seus interesses
Sensação de estar atuando socialmente
Dificuldade em entender ironia, sarcasmo ou duplo sentido
Fala considerada rígida ou “ formal “ demais
Tendência a evitar contato visual
Sensação constante de não se encaixar
Necessidade de pausas sociais
COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL
Fala monótona ou pouco expressiva
Dificuldade em interromper alguém (interlocutor) no momento certo
Gesticulação limitada ou exagerada
Respostas consideradas inapropriadas emocionalmente
Necessidade de pensar muito antes de responder
Heperracionalidade (racionaliza as emoções)
Dificuldade em indiretas (não entende de imediato)
Hiperfoco em temas de interesses
Memória muito boa para detalhes incomuns
Tendência a evitar o telefone (comunicação escrita é mais confortável)
RELACIONAMENTOS AFETIVOS
Dificuldade de perceber sinais de interesse romântico
Relacionamentos intensos, porém curtos
Dificuldade de expressar afeto da maneira esperada
Necessidade de rotina dentro do relacionamento
Desconforto com toques físicos não esperados
Sinceridade extrema
Dificuldade em lidar com jogos emocionais
Sensação de sempre estar dando mais do que recebe
Interpretação literal de promessas ou falas
Dificuldade em perceber mudanças sutis no tom emocional do/a pareceiro/a
SINAIS COMPORTAMENTAIS E SENSORIAIS
Hipersensibilidade (sensibilidade a sons, luzes, odores e vibrações das pessoas e ambientes)
Rigidez com horários e rotinas (sente-se mal em mudanças na rotina)
Interesses por sistemas, padrões, listas e métodos (costuma ser metódico)
Comportamentos repetitivos ou rituais
Exaustão social crônica (sente necessidade de isolamento para repor as energias após interação social mais intensa)
Essas características acima são comentadas pela neuropsicológa Raquel Pinheiro, especialista em autismo em adultos.